segunda-feira, 22 de maio de 2017

Edifício LIGA NACIONAL AFRICANA é Património Histórico Cultural

Liga Africana e a contribuição para a independência

Fonte: Revista AUSTRAL, TAAG - Linhas Aéreas de Angola, Nº 121 - 2017
       Texto: Miguel Gomes  Fotografia: Carlos de Aguiar

A Liga Africana é uma instituição angolana de utilidade pública. Funciona em Luanda e quase toda a gente conhece o edifício cor- de-rosa, situado na rua homónima à instituição, a Rua da Liga Africana. Quem dá o nome a uma rua tão rica em memórias só pode ter uma longa história para contar.

A actual Liga Africana resiste de forma pomposa à mudança de contexto político e social. Nascida para motivar e dar guarida aos despojados do império colonial português, hoje está vocacionada para a actividade cultural e de memória histórica, com fortes raízes no que se pode chamar de nacionalismo angolano. 
Victor Fortes (Secretário-Geral) Carlos Mariano (Presidente)
David Martins (Secretário-Geral Adjunto)

Os povos africanos em geral, ao longo do período de colonização, foram dinamizando várias formas de luta, de resistência, umas vezes de forma contundente, outras vezes de forma dissimulada. 

As autoridades coloniais governavam com mão-de-ferro e desenharam diversos sistemas de controlo social. Desde a sua criação, a Liga Africana passou por diversas fases. Quase todas as mudanças que a organização enfrentou foram resultado do contexto e do tempo histórico.

Carlos Mariano é o actual Presidente da Liga Africana. Recebeu-nos na antiga sala de reuniões da instituição. Estamos sentados numa longa mesa de madeira antiga, enquanto a imagem de um dos predecessores de Carlos Mariano garante uma supervisão quase mítica.

É sob o olhar do malogrado João Vieira Lopes que decorre a conversa com o também professor titular em Medicina da Universidade Agostinho Neto.

"Antes do surgimento da Liga de Angola existiram outras organizações que congregavam africanos, em Lisboa (Portugal), sobretudo indivíduos de Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola e São Tomé e Príncipe, que faziam os estudos superiores e liceais na antiga metrópole colonial. Em 1912, em Lisboa, foi criada a Junta de Defesa dos Direitos dos Africanos, uma organização que velava pelas aspirações dos africanos e que defendia a necessidade de também serem ouvidos pela administração colonial. Eram sinais de desagrado e de auto-defesa. Em 1919, a Junta de Defesa dos Direitos dos Africanos deu lugar, em Luanda, à criação da Liga de Angola, com o objectivo de encontrar novas formas de resistência à ocupação colonial portuguesa. A Liga de Angola foi extinta em 1921, por Portaria da autoria do Alto Comissário e Governador Geral de Angola, general José Norton de Matos", lembra Carlos Mariano.

O contexto na metrópole era algo convulso: a proclamação da República e a queda da monarquia tinham acontecido a 5 de Outubro de 1910, sucedendo-se um período de mudança e de alguma instabilidade política.

As organizações africanas sentiram que era altura de pressionar as autoridades portuguesas para que trouxessem dignidade aos povos colonizados - na defesa dos seus hábitos e crenças, das suas línguas, pelo acesso ao poder económico e político e pelo fim imediato da exploração, da escravatura e do trabalho forçado. O primeiro governador-geral republicano de Angola foi José Norton de Matos, entre 1912 e 1915, na altura ainda como major do exército português. Mais tarde, o mesmo Norton de Matos, agora como general, volta a ser nomeado para administrar Angola, desta vez com a designação de Alto-Comissário da República Portuguesa, entre Abril de 1921 e Junho de 1924.

Carlos Mariano, Presidente da Liga Africana
A segunda passagem do militar e político português por Angola ficou marcada pelo encerramento compulsivo de várias associações africanas, pela proibição dos jornais africanos - como o famoso "Angolense", por exemplo - e por complicar de forma decisiva os esforços para a valorização dos africanos. Foi uma época de passagem à subalternidade e de dissimulação das actividades políticas contra o colonialismo. A repressão foi violenta e vários nacionalistas foram detidos ou mesmo depor-tados ou ameaçados. 

A Liga de Angola tinha sido proibida por motivos políticos. O que sucedeu? 

"Em 1930, seis anos depois da saída de Norton de Matos de Angola, foi então criada a Liga Nacional Africana. A palavra 'nacional" deve ser entendida como uma referência a Portugal e não a Angola. Julgo que era, mais uma vez, uma eufemização, uma estratégia dos fundadores para fugir ao crivo e à censura das autoridades coloniais. Porque tudo o que fosse conotado com mensagens pró-independência corria o risco de ser reprimido", explica Carlos Mariano.

Também não é despiciendo o local onde estas movimentações acontecem. Já sabemos que a narrativa está dividida entre Lisboa, Portugal! e Luanda, nem que seja por motivos políticos, sendo que a capital do país conserva maior relevância de contestação ao regime colonial

Os anos de 1920-1930 marcaram ainda o início de uma alteração decisiva na forma como Portugal geriu a relação colonial - de território de degredados, de comércio, de exploração de mão-de-obra e de recursos naturais, Portugal passou a defender e a executar uma colonização de ocupação.

Foi a partir desta altura que a maioria dos portugueses veio para Angola. A população das maiores cidades também disparou em poucas décadas. Luanda é um dos melhores exemplos.

A nova estratégia portuguesa provocou sérias alterações sociais. Uma elite mestiça típica de Luanda, da baixa, dos Coqueiros e do Baleizão, que conservava alguma relevância política mas sobretudo comercial, começou a ser expropriada e afastada desta zona da cidade e dos centros de decisão.

Algumas destas famílias foram atiradas para a zona da Ingombota, do Maculusso e do Bairro Operário.
A movimentação de pessoas e a perda de relevâncias várias causou ódios, desesperos e raivas que desembocaram num caldeirão nacionalista e anti-fascista, instalado num triângulo bairrista que engloba as três zonas de Luanda referidas anteriormente'. A Rua da Liga Africana está situada no Maculusso, enquanto a primeira sede da instituição era na Ingombota.

Figuras míticas 

Na génese da Liga Africana estão pessoas ligadas a uma elite assimilada africana, que teve acesso a formação superior, em alguns casos, e que foi utilizando essa facilidade de movimentação entre duas realidades pouco conectadas para denunciar algumas práticas - eram pessoas que conheciam bem a realidade dos africanos e a realidade dos europeus que viviam em Angola.

Ngola Ritmos assumiu o Semba como ritmo nacional
angolano de afirmação da independência

Enquanto Liga Nacional Africana, após 1930, o primeiro presidente da organização foi António Assis Júnior, advogado, escritor e jornalista angolano, natural do Golungo Alto [actual Kwanza Norte].

"Assis Júnior foi uma figura insigne na defesa do interesse nacional, do ponto de vista cultural e intelectual. É o autor de um dos primeiros romances angolanos '0 Segredo da Morta', que cataloga e te matiza os costumes locais. A escrita, tanto em forma de poesia, prosa ou crónicas jornalísticas, era uma forma inteligente e subtil de resistir à devastação cultural, exaltando as práticas culturais angolanas", explica Carlos Mariano em conversa com a Austral. Assis Júnior foi fundador do jornal "Angolense", entre outras publicações periódicas. Chegou a publicar o "Relato dos Acontecimentos Ocorridos em Lukala e Ndalatando", na actual província do Kwanza Norte. A publicação retrata uma sublevação de camponeses fortemente reprimida pela administração portuguesa. Como advogado, defendeu diversos africanos sem recursos, sobretudo em casos de esbulho de terras, uma das consequências mais evidentes do projecto colonial. As suas actividades de cariz político renderam-lhe a expulsão do país. Foi exilado com residência fixa em Portugal, onde chegou depois a dar aulas na Escola Superior Colonial e a publicar uma gramática de kimbundu.

Nesta altura, a Liga Nacional Africana desenvolvia várias actividades, desde os cursos de artes e ofícios, a iniciativas ligadas às artes cénicas e até a programas de assistência social aos associados. Chegou a registar mais de 20 mil associados, de todo o país, e a implementar uma caixa mutualista [quase um predecessor dos programas de micro-crédito ou de crédito informal!, segundo garantem os actuais corpos dirigentes da Liga Africana. Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, Liceu Vieira Dias [fundador da música moderna angolanal. Lopo do Nascimento, Adriano Mendes de Carvalho "Uanhenqa Xito", Jaime Araújo, Domingos Coelho da Cruz, Alexandre Monteiro, Germano Gomes, Diógenes Boavida ou a família Pinto de Andrade eram frequentadores e, em diversos casos, chegaram a ser membros efectivos da direcção da Liga Nacional Africana.
Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, foi
um dos membros efectivos da Liga Africana  

Mais recentemente, sobretudo após 1996, Jaime Araújo assumiu-se como uma figura de grande dinamismo e fervor à volta da instituição e da sua promoção social. Em época de desmobilização associativista, Araújo foi sempre uma voz activa na defesa da Liga Africana.

A actual sede, construída com o apoio de fundos da administração colonial, foi inaugurada em 1953, época em que o Cónego Manuel das Neves assumia a presidência da Mesa da Assembleia Geral da Liga Nacional Africana. O Cónego Manuel das Neves teve um papel fulcral na luta contra o colonialismo em Angola.

Liceu Vieira Dias, um dos funfadores
do grupo Ngola Ritmos
O seu protagonismo na relação com as autoridades, devido à ligação à Igreja Católica, serviu de farol para os angolanos. E também serviu para amansar as autoridades portuguesas em relação às actividades nacionalistas. "Todas estas estratégias servem de exemplo para a geração que lidera a Liga Africana. Porque a diversidade de origens, de crenças e até de fenótipo, que sempre caracterizaram a organização, foram um garante da nossa resiliência.

Muitas destas decisões foram tomadas em consciência, foram estratégicas para a resistência colonial", conta Carlos Mariano. O período de algum dinamismo social e político e de alguma subalternização das narrativas coloniais, em Luanda, deu origem a dois eventos fundamentais no caminho até à Independência de Angola: o 4 de Fevereiro (assalto às cadeias de Luanda e outras posições militares estratégicas portuguesas na capital) e os acontecimentos de 15 de Março de 1961, com as forças da Frente Nacional de Libertação de Angola- (FNLA) a atacar violentamente fazendeiros portugueses e trabalhadores angolanos, na região cafeícola do Uíge. Depois, bem, depois foi tempo de ferro e fogo. O Cónego Manuel das Neves foi exilado para Portugal, mais precisamente para o Convento do Soutelo, distrito de Braga.

"1961 também é um marco para a Liga Nacional Africana. A adversidade acentuou-se. A direcção então em funções foi suspensa pela administração portuguesa. Muitos foram detidos. De 1961 até 1975 foram-nos impostas uma série de comissões administrativas que lideraram a instituição, agora sob controlo político", lamenta Carlos Mariano. Após a independência, em 1975, deixou de fazer sentido a palavra "nacional". A instituição decidiu regressar à denominação antiga: Liga Africana. A refundação oficial e definitiva ocorreu no dia 20 de Outubro de 1996, após a instituição do multipartidarismo [em 19911. tendo sido seus presidentes, sucessivamente, João Vieira Lopes (1996-2011). António Madaleno (2011-2014) e Carlos Mariano (desde 2014).


quarta-feira, 19 de abril de 2017

DESCOMPASSO - Obra literária de Onofre Santos.

 


 A Liga Africana regozija-se por tão valioso trabalho de um dos seus sócios, o venerando Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional.

A Liga Africana, convidada a fazer parte da mesa de honra na pessoa do seu Presidente, o Professor Doutor Carlos Mariano Manuel, fez a entrega do texto da sua comunicação àquele fórum que foi considerado matéria para estudo em complemento ao trabalho colocado à disposição da sociedade, da autoria do distinto Doutor Onofre Santos.

Comunicação do Presidente da LIGA AFRICANA, na sessão de apresentação pública do livro intitulado “Descompasso”, da autoria do Exmo Senhor Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Angola, Dr. Onofre dos Santos.

Saudações aos presentes.

A Liga Africana apresenta, pela nossa voz, o seu regozijo pelo faco de havermos sido convidados para associarmo-nos à este acto de apresentação pública da quarta obra literária romanesca e em prosa, desta vez intitulado “Descompasso”, da autoria do Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional do nosso país, Dr. Onofre dos Santos.

Ao nosso regozijo queremos associar, igualmente, o nosso preito de felicitações dirigido ao autor, em virtude de disponibilizar para o público interessado nacional e internacional, de expressão portuguesa, um produto cultural, que transmite conhecimento sobretudo do âmbito histórico, memórias da sua experiência pessoal, memórias da vivência em Angola e em Portugal de outros indivíduos da sua geração e uma exposição discursiva das suas ideias e do enredo de elevada delícia de se ler, incluindo a idiossincrasia linguística na expressão do português articulado no nosso quase perfeito quadrilátero nacional, que é Angola.

Dentre as razões que acabamos de elencar, que constituem o substrato justificativo do preito de felicitações que dirigimos ao autor, não pretendemos apresentar algum testemunho nosso que vise validar a veracidade de todos os relatos reproduzidos no livro e felizmente, os romances, ainda que históricos, não existem para estabelecer com rigor, a exactidão das datas, dos contextos, dos factos e outros elementos substantivos.

O editor do livro avisa-nos a esse respeito, que “o romance histórico é ferramenta que permite reescrever de forma sub-reptícia a percepção da verdade” … embora também não deixe de assegurar ao leitor que embora os diálogos hajam sido criação do autor e devam ser considerados pura ficção, contudo, os acontecimentos críticos “foram escrutinados e verificados”.O Dr. Onofre dos Santos, acrescenta no que nos parece ser uma citação (pág. 13) que “aos historiadores, e não aos romancistas, compete contar a História”.

Na nossa humilde opinião, o livro não é apenas uma reescrita de “uma forma sub-reptícia (da) percepção da verdade”, mas ele é, em grande parte, uma forma de apresentar a verdade, desprendida dos formalismos da escrita académica, no período bastante conturbado para os colonizadores e colonizados de 1961-62.

Mas também, a ficcionada descrição das histórias do livro nos obriga, no mínimo, a curvarmo-nos perante o autor, em preito desta vez de respeito, pela forma muito agradável como fideliza o leitor à sua leitura e ao mesmo tempo, incentiva-o ao esforço cívico de aprofundar o conhecimento sobre a fascinante epopeia dos nossos antepassados, pela reconquista do acervo material e imaterial identitário de todos povos, em termos de dispersão etnolinguística, que habitaram e constituíram o nosso país e dos quais descendem as gerações actuais.

O autor sublinha a obra no âmbito do magistério geral e superior do governador luso em funções nesse período e do seu secretário provincial de educação, saúde, trabalho e segurança social. Interessaram-me muito particularmente essas iniciativas sociais o do estabelecimento de escolas das primeiras letras, pelo senhor Amadeu Soares e a tentativa relativa aos estudos universitários, em Agosto de 1962, pelo anteriormente mencionado governador e dos relevantes alvitres que o intrépido Lourenço Mendes da Conceição, uma figura graúda da Liga Nacional Africana, apresentou na altura. 

Mas, embora nós pessoalmente houvéssemos sido dos beneficiários do projecto do estabelecimento daquelas escolas nas aldeias, permitimo-nos lembar os presentes que já no período de 1506 – 1541, quando era soberano em Mbanza Kongo, o rei Mbemba a Nzinga ou D. Afonso I contemporâneo de D. Manuel I, o Venturoso, em Portugal, as escolas das primeiras letras (na linguagem actual, escolas primárias) já estavam difundidas em todo seu reino e um dos bolseiros nativos em Portugal veio a tornar-se um exímio professor de gramática (q.d. de letras) nos liceus de Lisboa no século XVII. Salvador Correia de Sá e Benevides e André Vidal de Negreiros, governadores em Luanda, com início de funções em 1648 e 1663 respectivamente, fizeram desmoronar, pela guerra e anexação que lançaram àquela parcela setentrional do nosso país, todo o desenvolvimento social que teria medrado se não houvesse ocorrido a invasão, ocupação e colonização dos nossos domínios.

Um outro episódio que pode haver estado relacionado com esse frenético impulso de promoção do magistério em Angola reside no facto das críticas a que Portugal esteve particularmente mais submetido nos órgãos das Nações Unidas logo no início da década de sessenta do último século, onde muitos povos recém libertos na altura perfaziam um coro muito desfavorável aos lusos e onde o episódio da humilhante denúncia internacional do presidente da União Soviética, NikitaKrutchew, ocorrido quatro meses antes dos acontecimentos de 1961 em Angola, em Outubro de 1960, que apresentava Portugal como um país miserável e de analfabetos, que em mais de 400 anos não tinham conseguido construir um “único liceu” em Angola, gerou o maior escárnio à reputação lusa naquele areópago internacional. Por conseguinte, sou obrigado a pensar não em termos de gratidão para com os esforços de difusão do ensino daquelas autoridades coloniais em Angola, pois eles nos parecem haver sido uma reacção aos contextos locais e internacionais a que Portugal estava muito desfavoravelmente submetido.

Agradecemos o autor pela divulgação da participação da Liga Nacional Africana no esforços multifacéticos a que fizeram recurso os nossos antepassados para a libertação dos colonizados dos colonizadores e dos colonizadores do complexo hegemónico de superioridade civilizacional, com o qual não apenas inibiram mas reprimiram, durante séculos, a plena desenvoltura dos povos nativos que poderia haver concedido à parte da humanidade de que somos membros na acepção de um povo, menos sofrimento, menos violência e maior capacidade contributiva na rica diversidade cultural e material da humanidade no geral.

A maioria dos personagens nativos mencionados no livro na pág. 17 sob o título “outros personagens” tiveram uma relação imediata ou mediata com o funcionamento da Liga Nacional Africana, cuja herança doutrinária tem vindo a ser seguida pela actual LIGA AFRICANA e alguns deles foram igualmente seus dirigentes. 

Figuras graúdas no associativismo instituído antes da nossa Independência sob a forma de Liga Nacional Africana foram cidadãos cujo afinco às questões da Pátria Angolana transcendeu o esforço que dedicaram às questões pessoais e familiares e nos dias hodiernos, contituiram-se, sem que nenhum favor lhes seja feito, em figuras inemuláveis e de citação incontornável nos cânones dos patriotas mais insignes que esta pátria gerou.

Ao mesmo tempo, que permitimo-nos apresentar-vos a nossa nanopequenez, quando vos falamos desta mesa na qualidade de Presidente da Direcção Liga Africana, impõe-nos o dever de exaltarmos a incomensurável superioridade dos que nos antecederam nesta posição, como são os casos de António de Assis Júnior, advogado, escritor, Presidente da Liga Africana em 1930 e degredado sem regresso para Portugal na sequência dos acontecimentos de Lucala e Ndala-Tando e da defesa da sublevação das populações de Catete; Manuel Joaquim Mendes das Neves, o maior artífice da sublevação do 4 de Fevereiro de 1961 e Presidente da Assembleia Geral da Liga Africana na década de cinquenta e desterrado para o Convento de Soutelo, em Braga-Portugal, de onde regressou por organização do nosso Governo e da Liga Africana, décadas depois, sob a forma de restos mumificados, para serem finalmente inumados no Alto das Cruzes; ou João Baptista de Castro Vieira Lopes, médico ginecologista e obstetra, bem como Professor Universitário, de saudosa memória, que integrou desde 1961 o Movimento de Libertação que antecedeu o actual partido governante no nosso país e sem deixar de mencionar a exaltação que o Primeiro Presidente nosso, António Agostinho Neto, também citado no livro, fez no seu poema 2º Içar da Bandeira” das actvidades recreativas da Liga Nacional Africana, que eram um eufemismo lúdico dos esforços de consciencialização da necessidade de nos libertarmos, todos colonizados e colonizadores, do colonialismo.

Excelentíssimo Senhor Dr. Onofre dos Santos
Excelentíssimos Senhores do Presidium
Minhas Senhoras e Meus senhores

O primeiro conto inserido no livro, com o título “ A noite das Estátuas” configura para nós a quintessência na arte de historiar, romancear e transmitir seriedade recreando.

As figuras lusas mencionadas são Salvador Correia de Sá e Benevides (o restaurador da autoridade lusa em Angola), Paulo Dias de Novais, a quem é atribuída a fundação de Luanda (quanto a nós controversa, porque quando cá chegou pela segunda vez, a ilha do cabo já era povoada com mais de 3000 almas e cerca de 40 europeus), Henriques (cremos o autor haver se referido ao Afonso e não ao Infante e se for nessa acepção trata-se do fundador de Portugal), o Diogo Cão (o primeiro luso que chegou à foz do rio Congo), o Luis Vaz de Camões (o infeliz poeta da corte, que findou os seus dias na miséria), Alexandrino dias da Cunha (efémero governador), o Vasco da Gama(o que chegou primeiro a Moçambique e à Índia) e apenas uma figura africana, que é a rainha Ginga ou na altura também conhecida Dona Ana de Sousa. Todas essas figuras não foram necessariamente contemporâneas.

Mas vemos no enredo que se deu à história uma evocação, ainda que remota, do quanto o nosso país é de facto, e como muitos países do mundo que estiveram submetidos ao colonialismo, expressão de um plano concebido e criado em Portugal no reinado de D. Sebastião, cuja implementação foi materializada com os mais elevados requintes de barbárie, pela expedição invasora e ocupante chefiada por Paulo Dias de Novais, neto do navegador Bartolomeu Dias, e que para o objectivaram realizaram o genocídio por via da guerra e do tráfico de escravos, desde pràticamente o primeiro mês após a chegada deles na Ilha de Luanda. Como não poriam os nativos defender-se, embora esse exercício houvesse demorado, até ao seu êxito final em 1975, justamente quatro séculos?

A LIGA AFRICANA contextualiza-se nessa sucessão de formas organizativas, uma actuando no interior, outras no exílio, outras no degredo, que lutaram, resistiram e venceram, para bem dos angolanos, dos portugueses e da humanidade, o infame colonialismo. 

A noite das estátuas mostra como o diálogo é mais produtivo, pode gerar amor e triunfa sempre sobre a usura do belicismo, das chamadas conquistas fundadas nas descobertas e das pseudo superioridades civilizacionais.

Um Bem Haja para o autor por nos haver feito recordar esta jornada pela via deste romance histórico, intitulado “DESCOMPASSO”.

Muito obrigado
Prof. Doutor Carlos Mariano Manuel
(Presidente da Direcção Da Liga Africana)







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